domingo, 22 de fevereiro de 2009

Na trilha de Glaziou: a redescoberta da guaquica (parte 1)

Vista da geral restinga onde a guaquica foi encontrada

No dia 22/11/2008, dedicamos este espaço ao grande paisagista e botânico Auguste Glaziou, que viveu no Brasil durante o período 1858-1897. Mencionamos sua insuperável capacidade de descobrir e introduzir em cultivo raros exemplares da Flora Brasileira. A quem estiver interessado em conhecer um pouco mais da vida deste notável francês, recomendamos a leitura da obra do Prof. Carlos Terra (Terra, C. G. 2000. O jardim no Brasil do século XIX: Glaziou revisitado. Rio de Janeiro, UFRJ/Escola de Belas Artes. 166 p.).

Uma das descobertas mais enigmáticas do paisagista data do dia 8 de julho de 1891, portanto há quase 118 anos atrás. Entre as localidades de Sete Pontes e Barreto (atual área urbana de Niterói/RJ), foi colhido um ramo florífero de uma árvore frutífera nativa da restinga, conhecida pelo nome indígena de guaquica.

Tomando como base o exemplar herborizado por Glaziou, o especialista em mirtáceas Kiaerskou descreveu-o como uma nova espécie, batizada de Eugenia guaquiea. Note-se o erro de datilografia cometido na latinização do vernáculo popular, ao trocar-se a letra "c" pela "e".

Atualmente, a guaquica foi transferida do gênero Eugenia para Myrciaria, onde se encaixa melhor. Ela integra um seleto grupo de deliciosas (e doces!) mirtáceas: a conhecida cabeludinha (Myrciaria glazioviana), o cambucá-da-praia (Myrciaria strigipes) e a (ainda) misteriosa cabeluda-vermelha (Myrciaria glomerata). Todas são arbustos de troncos múltiplos, com casca fissurada, e folhas lisas na face superior e aveludadas na inferior.

Contudo, excetuando-se a cabeluda, são plantas raríssimas, praticamente desconhecidas em cultivo. Muito embora referências históricas as reputem como frutas de ótimo potencial.

Disposto a resgatar a guaquica da obscuridade, convidei o colecionador de frutas Carlos Velazco a participar da empreitada. Radicado em Niterói (RJ), o fruticultor conhecia os lugarejos Sete Pontes e Barreto. São bairros da cidade, hoje completamente urbanizados, infelizmente sem que nada da vegetação original tenha sobrado.

Passamos então a pesquisar áreas de restinga um pouco mais ao norte. De tanto insistirmos, um belo dia acabamos conhecendo uma comunidade caiçara que havia preservado as frutas nativas praianas. Na verdade, foi uma grande surpresa!

Na trilha de Glaziou: a redescoberta da guaquica (parte 2)

O cambuí (Myrciaria floribunda) [foto à esquerda] e a guabiroba-verde-rugosa (Campomanesia schelechtendaliana var. rugosa) [foto de baixo] são cultivadas pelos caiçaras




Encontramos pitangas (Eugenia uniflora) de tamanho e sabor excelentes, muito melhores do que as selvagens espalhadas pelas restingas fluminenses. Também o sensacional cambuizeiro (Myrciaria floribunda), arvoreta semelhante a uma jabuticabeira que fica completamente repleta de frutinhos vermelhos de 1,5 cm, de casca fina, suculentos e saborosos, muito utilizados sob a forma de sucos e como aromatizantes da cachaça.

Pela primeira vez, vi variedades melhoradas de guabiroba-verde-rugosa (Campomanesia schelechtendaliana var. rugosa), frutífera que cultivamos aqui no E-jardim (veja em http://www.e-jardim.com/produto_completo.asp?IDProduto=27). Embora de frutos menores, a forma caiçara possuía um sabor excepcional para a espécie, evidenciando a seleção pelo sabor.

Também nos chamaram a atenção a jabuticaba-da-restinga (forma silvestre de Myrciaria cauliflora que vegeta sobre a areia, produzindo elevada carga de frutos) e um estranho araçá de grandes dimensões (6 cm de diâmetro), de folhas semelhantes a Psidium cattleianum porém com sementes maiores e menos numerosas, além de ótimo sabor agridoce.

Na trilha de Glaziou: a redescoberta da guaquica (parte 3)

A guaquiqueira é uma arvoreta nativa cultivada pelos caiçaras que se distingue da cabeluda pelas folhas mais curtas e largas
E, claro, não esquecendo da deliciosa guaquica ou bacuíca (de ibá-cuíca = fruta-de-cuíca em tupi-guarani). Os caiçaras privilegiaram seu cultivo, poupando do corte dezenas de exemplares. Atingem no máximo 3 metros de altura e apresentam troncos múltiplos, como a cabeluda. Distinguem-se facilmente da última pelas folhas mais curtas (4-5 cm) e proporcionalmente mais largas (2-2,5 cm). A maior vantagem em relação à sua prima cultivada é que a guaquica apresenta "muito mais caldo", como nos disse um jovem da comunidade.
[Fotos dos frutos e mais informações sobre a guaquica agora disponíveis em nosso site: http://www.e-jardim.com/produto_completo.asp?IDProduto=303]

Na trilha de Glaziou: a redescoberta da guaquica (parte 4)

A pitaia-rósea com seus decorativos frutos





Nas andanças pelos areais, ainda encontramos a pitaia-rósea (Epiphyllum phyllanthus), cactácea frutífera presente em vários ecossistemas brasileiros. Seus frutos são doces, embora com um final meio enjoativo. No meu entender, seu maior valor é ornamental, cultivada em vasos suspensos com terra fértil, da maneira que se faz para flor-de-maio (Schlumbergera truncata).