sábado, 30 de agosto de 2008

Das restingas para os jardins: as clúsias




Nem só de frutíferas vive nosso blog. Este espaço é dedicado a todas maravilhas do mundo vegetal, com especial carinho pelas da Flora Brasileira. Nossa missão é sempre surpreender o internauta com novas informações.

Evidentemente, a maioria dos leitores está cansada de conhecer a clúsia (Clusia fluminensis), uma arvoreta muito utilizada em paisagismo hoje em dia, seja plantada em vasos para terraços e interiores, seja cultivada na forma de arbusto isolado ou como cerca viva. É produzida aos milhares por muitos viveiros de mudas em todo o país.

O que nem todos sabem, é que este grupo de plantas foi introduzido em nossos jardins pelo grande Roberto Burle-Marx, na década de 1950. O genial artista vislumbrara que aquelas pequenas árvores, de folhas grossas e muito brilhantes, que cresciam sobre o areal das restingas dariam esplêndidas plantas ornamentais.

Mas a imensa diversidade das clúsias irá causar admiração em muita gente. De fato, o gênero Clusia engloba cerca de 250 espécies, distribuídas desde a Flórida até o Rio Grande do Sul. Somente no Brasil ocorrem pelo menos 70 espécies, a grande maioria inédita ou muito pouco conhecida de nossos paisagistas e colecionadores.

O nome latino homenageou Charles l’Ecluse (Carolus Clusius), botânico flamengo do século XVI (http://pt.wikipedia.org/wiki/Carolus_Clusius), considerado um dos pais da horticultura moderna.

Pertencem à mesma família botânica (Clusiaceae, antigamente Guttiferae) de saborosas frutas tropicais como o bacuri (Platonia insignis), o mangostão (Garcinia mangostana), o bacuripari (Garcinia macrophylla), o achachairu (Garcinia laterifolia), o abricó-do-pará (Mammea americana) e tantas outras. São geralmente árvores ou arbustos com folhagem muito vistosa, em forma de leque e quase suculenta. As inflorescências são muito bonitas e destacadas, havendo quem já as comparasse a flores de cera (ver foto). São quase todas plantas dióicas, isto é, flores femininas e masculinas crescem em indivíduos diferentes. O fruto é uma cápsula carnosa, que se assemelha a uma cebola, daí seus nomes populares, “ceboleira-da-praia” ou “ceboleira-do-mato” (veja a segunda foto).

Além de Clusia fluminensis, de flores alvas e da qual já falamos, são também conhecidas dos colecionadores tupiniquins C. lanceolata (retratada nas duas imagens que ilustram este post) e C. grandiflora (de enormes flores alvo-róseas). Mais raramente plantam-se C. criuva e C. nemorosa. E só.

Para dar uma idéia da colossal potencialidade destas plantas, deixo a seguinte listinha, composta apenas por espécies nativas de nossa pátria:

C. aemygdioi, C. amazonica, C. angustifolia, C. arrudea, C. axillaris, C. burchellii, C. burle-marxii, C. cambessedei, C. candelabrum, C. dardanoi, C. diamantina, C. fragrans, C. gardneri, C. gaudichaudii, C. grandifolia, C. hilariana, C. ildenfonsiana, C. insignis, C. intermedia, C. leprantha, C. macropoda, C. marizii, C. martiana, C. microstemon, C. obdeltifolia, C. organensis, C. palmicida, C. pana-panari, C. paralicola, C. parviflora, C. penduliflora, C. pernambucensis, C. pilgeriana, C. polysepala, C. purpurea, C. renggerioides, C. schomburgkiana, C. sellowiana, C. spiritu-sanctensis, C. viscida, C. weddeliana, etc.

Forte abraço!

domingo, 24 de agosto de 2008

A misteriosa pitanga-de-cachorro



Após um período em que estive muito envolvido com o desenvolvimento de novos projetos no E-jardim, retorno ao nosso blog já me desculpando com os leitores pela interrupção na atualização dos textos.

No post do dia 25 de maio sobre a princesinha-de-copacabana (Eugenia copacabanensis), listei as mirtáceas de frutos saborosos que vegetavam na restinga de Copacabana. Entre elas estava uma misteriosa fruta que o povo chamava de pitanga ou cambuí-de-cachorro.

O bom e antigo Manuel Pio Corrêa registrou-a em seu tratado (Pio Corrêa, M. 1926. Dicionário das plantas úteis do Brasil e das exóticas cultivadas. vol. V. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional. 687p.), através de um pequeno verbete no qual informava ser o fruto “baga globosa e achatada, de sabor doce e adstringente”. Naquela época, o nome científico aplicado era Calyptranthes obscura, atualizado em 1981 para Neomitranthes obscura (o gênero Neomitranthes seria criado pelo botânico uruguaio Diego Legrand apenas em 1977).

Sob o nome antigo, o "pai" do Jardim Botânico de São Paulo, Frederico Carlos Hoehne, fez breve menção a nossa enigmática mirtácea em seu ótimo livro sobre frutas brasileiras (Hoehne, F. C. 1946. Frutas Indígenas. São Paulo, Instituto de Botânica, Secret. Agric., Ind. e Com. 88p.), porém pouco acrescentando ao que escrevera Pio-Corrêa. Um outro autor mais moderno (Cruz, G. L. 1985. Dicionário das Plantas Úteis do Brasil. Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira) adicionou mais uma pitada de informações, já usando seu nome científico atual.

Intrigado com a frutinha, passei a investigar seu passado. Aprendi que ela havia sido descrita por Alphonse de Candolle (http://pt.wikipedia.org/wiki/Alphonse_Louis_Pierre_Pyrame_de_Candolle) no ano de 1828, com base em material coletado pelo grande botânico Carl Friedrich Philipp von Martius na vegetação praiana do Rio de Janeiro.

De tanto andar pelo que restou das restingas cariocas, acabei finalmente localizando a almejada pitangueira-de-cachorro. Ela cresce em áreas diretamente expostas ao sol, sobre solo arenoso com algum material orgânico e bem drenado. Em sua companhia vivem outras espécies de eugênias, como a pitangatuba (E. neonitida), a cereja-da-praia (E. punicifolia) e a pitanga-comum (E. uniflora). Também espécies de ceboleira-da-praia (Clusia lanceolata e C. fluminensis), hoje em dia tão cultivadas como plantas ornamentais, algumas bromélias (Aechmea nudicaulis, Neoregelia cruenta, Vriesea neoglutinosa) e o lindo arbusto-trepadeira Paullinia weinmanniaefolia, cujos numerosos frutos intensamente róseo-avermelhados lembram os do conhecido guaraná (Paullinia cupana).

Lá estava Neomitranthes obscura, uma bela planta carregada de graciosos frutos de mais ou menos 1,5 cm, arredondados e multicoloridos (variam do vermelho-intenso ao quase negro, conforme o estágio de maturação). São coroados no ápice por um pequeno vestígio de uma estrutura floral denominada calíptra (ver a foto que ilustra este texto). Possuem casca fina, sabor bastante doce quando maduros, mas com alguma presença de taninos, o que pode desagradar paladares mais sensíveis. Os pássaros e as crianças agradecem e fazem sua festa particular.

Trata-se de um mero arbusto ou arvoreta, cuja altura varia entre 1 e 3 m. Seu tronco é áspero, marrom-acinzentado e descamante em placas. A copa é densa, de formato arredondado a esparramado, com folhagem verde-clara. As folhas, muito espessas e lisas, logo chamam a atenção do observador, tal a intensidade do brilho da face superior. O formato destas é ovado ou elíptico, de extremidade muito pontiaguda, com a nervura central de tonalidade amarelo-clara, contrastando intensamente com o verde das folhas.

São bastante fáceis de cultivar, e devem ser plantadas a pleno sol, em qualquer tipo de terreno bem drenado. Beneficiam-se de uma adubação equilibrada, crescendo mais rapidamente e tornando-se mais viçosas.

Pelo pequeno porte e folhas suculentas, prestam-se muito bem ao plantio em vasos ou jardins no entorno de piscinas e coberturas de apartamentos. São plantas muito resistentes, bonitas e que certamente merecem maior destaque no paisagismo brasileiro.

Forte abraço!