Encerrei o post anterior divagando sobre o desaparecimento do cambucá da cena carioca, além de suas qualidades gastronômicas.
Façamos uma viagem no tempo. Desde os passeios de Lady Maria Graham a cavalo pelas matas de Copacabana no início dos anos 1800 até o primeiro quarto do século XX. Por mais de uma centena de anos, nossa simpática mirtácea foi figurinha fácil nas terras fluminenses. Como nos informou Manuel Pio Corrêa, grande divulgador das plantas nativas, em seu famoso tratado (Pio Corrêa, M. 1926 Dicionário das plantas úteis do Brasil e das exóticas cultivadas. vol. I. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional. 747p.): “os frutos encerram abundante polpa adocicada e refrigerante, comestível crua e da qual faz-se doce e compotas; na época própria é um dos frutos mais comuns nos mercados do Rio de Janeiro”.
Ora, nos dias de hoje contam-se nos dedos os cariocas que possuem alguma intimidade com nossa escolhida. Mas perguntem a pessoas com mais de 70 anos, especialmente aquelas que se cansaram de chupar fruta no pé. Quase todas responderão com um saudoso sorriso nos lábios: “ah, os doces cambucás...”.
O cambucazeiro é uma árvore média, em geral de 3-4 metros quando cultivada. O formato da copa é muito parecido com o da jabuticabeira (sua parente próxima), com numerosas ramificações a partir do tronco. Suas folhas, contudo, são bem maiores e ligeiramente aveludadas na face inferior. O tronco, que descama com facilidade, pode ser esbranquiçado ou avermelhado, conforme a variedade.
Os frutos é que dão grande destaque a esta planta. Eles se parecem com enormes jabuticabas (medem cerca de 4-6 cm de diâmetro, mas algumas formas podem atingir mais de 7 cm) e, como as últimas, nascem agarradinhos no tronco e galhos mais finos. Iniciam a maturação com uma coloração amarelo-clara, atingindo o auge na cor amarelo-canário, aquela tonalidade da camisa da seleção brasileira de futebol. Quando isto ocorre, a espessura da casca (grossa a princípio) se reduz dramaticamente, tornando-se quase uma “pele” delgada envolvendo uma polpa alaranjada e muito perfumada, cuja consistência lembra a de um pêssego ou damasco. Neste ponto, o ideal é usar uma faca para cortar o cambucá em duas metades e comê-lo às colheradas. Há quem prefira tascar o dente na fruta, e chupá-la como uma jabuticaba. Não importa, o primeiro encontro é sempre uma experiência inesquecível.
Mas onde estão os cambucazeiros nativos? A imensa maioria foi derrubada, assim como foi a floresta que nos cercava. Os cultivados, que alegravam chácaras e quintais, deram lugar a prédios e outras “modernidades”. Para que se tenha uma idéia, basta dizer que durante a construção da rodovia Rio-Teresópolis, as turmas de trabalhadores abatiam centenários (e enormes) cambucazeiros apenas para mais facilmente colherem seus refrescantes frutos! E, assim, as gerações seguintes perderam a referência deste presente que a Mata Atlântica nos deu... Ainda nos dias de hoje, vejo grandes exemplares abandonados adoecendo ou sendo suprimidos em antigos sítios na baixada de Jacarepaguá e arredores, na Zona Oeste do Rio de Janeiro.
Finalizo a coluna de hoje com uma receita que aprendi com o mestre Antonio Morschbacker, grande entusiasta e autor de um primoroso artigo sobre a fruta (leiam-no em: http://paginas.terra.com.br/educacao/FrutasNativas/Cambuca.htm).
Compota de cambucá
- 2 litros de cambucás “de vez” (não usar frutos muito maduros porque estes se desfazem durante o cozimento)
- 2 litros de água
- 1 kg de açúcar (pode-se variar esta dosagem conforme se deseje maior ou menor toque de acidez)
Descasque os frutos, cortando-os em metades e retirando os caroços. Coloque-os em um recipiente com água e algumas gotinhas de limão para que não oxidem. Enquanto isso, prepare uma calda em uma panela, com os 2 litros de água e o açúcar. Leve ao fogo até ferver, mexendo bem para que o açúcar se dissolva completamente. A seguir, adicione os frutos previamente preparados, cozinhando-os na calda até que fiquem macios. Colocar em vidros, esperar esfriar e levar à geladeira. Depois é só se deliciar com uma sobremesa que encantou os franceses.
Agradecimento: a Antonio Morschbacker, pela receita e pela bela foto que ilustra este post.
quarta-feira, 11 de junho de 2008
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19 comentários:
Grande retrospectiva Eduardo!
Lembro que o cambucá foi também sucesso da MPB com a música "Olhos verdes" de Vicente Paiva, na voz de Dalva de Oliveira e depois de Gal Costa:
São da cor do mar, da cor da mata
Os olhos verdes da mulata
São cismadores e fatais
E um beijo ardente, perfumado
Conserva o cravo do pecado
De saborosos cambucás
Voces poderão ver um clip com a Gal em:
http://www.webletras.com.br/musica/gal-costa/olhos-verdes
Ótimo comentário, Antonio! Isto só confirma que o cambucá era fruta corriqueira na primeira metade do século XX. Se fosse hoje em dia, aposto que a música compararia os olhos verdes a... kiwi!!!
Na literatura brasileira, José de Alencar imortalizou a Plinia edulis em "O Guarani", conforme se lê na página 13:
"O povo que chupa o caju, a manga, o cambucá e a jabuticaba pode falar uma língua com igual pronúncia e espírito do povo que sorve o figo, a pêra, o damasco e a nêspera?"
cambuca ela e demais.relembra minha infância.tenho grande vontadade de comprar o fruto onde encontralo aqui no rio.espero noticias.
Conheci o Cambucá pelo site, deve ser uma planta muito interessante assim como as outras mirtáceas, pena que nao seja muito conhecido e que esteja em risco de sumir por causa da perda de habitat. Parabéns pelo site educativo.
Acabei de adquirir uma muda de Cambuca. Plantarei em Bangu na Fazenda Esperanto. Pretendo viver para ver e colher seus frutos.
Leonardo, o cambucá é uma fruta muito especial, identificada com a história da Mata Atlântica. Cabe a todos nós, que moramos nesta região, plantar e louvar o cambucá!
Sônia, sua infância deve ter sido ótima. Grande recordação o sabor dos cambucás! Aqui no sítio estamos em plena safra agora em janeiro.
Graça, parabéns pela iniciativa de cultivar o cambucazeiro. Cuide dele com carinho, adubando bastante e fornecendo regas com frequencia, que ele lhe retribuirá com deliciosos frutos!
Olá Eduardo,
Adorei saber que outras pessoas tem uma referência ao cambucá. Comia nas minha férias, na infância, em uma chácara na familia no Alto da Boa Vista. Eram enorme cumbucas cheias de frutos maduros que cortávamos e comíamos a polpa com colher. Boas lembranças.
Abraços
Ana Teresa
Olá Eduardo,
Também adoro os Cambucás!!!
Tenho um cambucazeiro produzindo e pretendo plantar vários outros.
Coloquei vários caroços para germinarem.
Tenho dúvidas sobre os cuidados que devo tomar.
Você poderia me ajudar com informações? Como adubar, como regar, quando transplantar etc...
Também tenho a seguinte dúvida: Posso conseguir mudas a partir de galhos?
Agradeço antecipadamente por qualquer informação que você possa me fornecer.
Abraços,
marciap
Peço a todos voces que entrem no endereço abaixo e vejam fotos referentes ao plantio de um cambuca na fazenda Esperanto em Bangu. Este será o início de muitos outros os quais pretendo plantar. Um abraço!
http://www.ipernity.com/doc/55897
Olá Ana Teresa!
Seu depoimento sobre suas lembranças de infância saboreando deliciosos cambucás muito se parecem com as lembranças de outras pessoas. Também tenho as minhas, pois aprendi a apreciar esta maravilha da Mata Atlântica com minha avó.
Olá Márcia!
Sobre as dúvidas de cultivo do cambucá, sugiro que entre em nossa página www.e-jardim.com, e digite "cambucá" e "Plinia edulis" na ferramenta de busca. Encontrará as informações que procura.
Um abraço!
Cambuca, fruta que me faz lembrar a minha infancia , falo sempre nessa delicia.Muito pouco conhecida em SP. Adoraría poder apreciar navalmente!,
Olá Marina! Muitas pessoas mencionam o fato de terem saboreado o cambucá na infância. Porque vc não cultiva um cambucazeiro?
Meus sinceros parabéns!
Ah o Cambucá... saudade gostosa de apanhá-lo direto da árvore e ali mesmo degustá-lo como se fosse a mais elaborada das refeições...
Havia um único pé dele na casa do meu avô, em Araguari - MG.
Eu tenho plantado algumas sementes que consegui com uma amiga e distribuido as mudas à outras pessoas na esperança de que o cambucá permaneça por muito tempo entre nós...
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